segunda-feira, 5 de outubro de 2009

CCB, Lisboa

O Mérito

Está na ordem do dia a questão do mérito no sistema de ensino básico e secundário português. Não me irei pronunciar sobre o mérito docente, já que penso ser um conceito vago e susceptível de discussões demagógicas, até porque ainda não consegui encontrar em algum lugar uma descrição pormenorizada de como o definir e o avaliar com total objectividade. Interessa-me, sim, falar do mérito discente e dos factores que o condicionam.
Penso que existem factores intrínsecos e extrínsecos que conduzem a um bom desempenho escolar. Dos primeiros, ressalvo a capacidade intelectual, a atitude, a curiosidade e a imaginação, a apetência pelo saber, as capacidades de trabalho, de organização e de concentração, etc... Dos segundos, o ambiente escolar, os professores e factores económicos e sociais que se revelam através de detalhes, mas que podem ter grande influência no aluno, como o ambiente ou disfunção familiares, se possui um espaço próprio para trabalhar com privacidade, se não é sobrecarregado com tarefas de apoio à família, se possui uma biblioteca própria, se usufrui de bens culturais, se frequenta ou não uma escola com graves problemas de indisciplina por estar situada num meio desfavorecido, se contacta habitualmente com marginais como acontece em alguns bairros de risco, se a suas capacidades foram estimuladas desde pequeno, e um sem número de outros factores, que podem ter influência nos factores intrínsecos.
A valorização do mérito deve ser a base de um sistema educativo, sob pena de estarmos a elaborar numa fraude. Por outro lado, é conhecido o facto de Portugal ser o país da UE com maiores desigualdades sociais, como é referido aqui, que diferenciam os que podem, à partida, ter melhor ou pior aproveitamento escolar, através dos factores extrínsecos. A solução que foi encontrada nos últimos anos é típica de uma má consciência e tem sido a de elevar artificialmente os resultados das avaliações dos alunos mais desfavorecidos, seja através da diminuição do grau de exigência, seja através de artifícios legais que permitem, em certas circunstâncias, a passagem de ano com excesso de negativas, seja ainda através do aumento dos níveis finais de disciplina, caso a caso, em reuniões de Conselhos de Turma. Em suma, por um lado, temos tido um modelo de desenvolvimento que cria enormes disparidades económicas e sociais com reflexo no sistema de ensino e, por outro, tentam-se apagar as consequências com medidas de fachada, que apenas agravam o problema. É uma espécie de roda quadrada, que não está a conduzir o país a lado algum.
Claro que há excelentes alunos no nosso sistema de ensino, basta ver aqueles que, todos os anos, entram nos cursos de medicina. Mas seria interessante fazer um estudo sociológico sobre as origens e os recursos desses alunos, para concluir até que ponto existe igualdade de oportunidades para os nossos jovens.
Urge, por isso, actuar nos factores extrínsecos, diminuindo o fosso que separa os que mais têm dos que menos têm, mudando o modelo desenvolvimento, de modo que a cada um caiba de acordo com o seu mérito intrínseco.

revisto às 16h45