As aplicações da Matemática são infindáveis. Tal deve-se ao facto de ser uma ciência abstracta, onde as definições, proposições, lemas, teoremas... não possuem um contexto explícito, e, por isso, encaixam nos mais variados domínios, apesar do conhecimento matemático ser tão real como qualquer outro.
Mas esta abstracção formal não surge do nada. São inúmeros os exemplos da interacção entre a Física e a Matemática, como a génese do cálculo diferencial e integral, ligado aos estudos da cinemática e da dinâmica iniciados por Galileu e aprofundados por Newton e Leibniz, ou a teoria dos operadores em espaços de Hilbert, sistematizada por Von Neumann com a Mecânica Quântica em vista, ou ainda a teoria das distribuições, cuja existência foi sugerida em primeiro lugar por Heaviside nos circuitos eléctricos e Dirac também na formalização da Mecânica Quântica. Para dar um exemplo mais extremo, temos o próprio conceito de número, que muito provavelmente terá nascido para contar as ovelhas dos pastores do Neolítico e hoje possui uma disciplina inteiramente dedicada ao seu estudo. Só mais tarde, depois da génese destas ideias inspirada no mundo natural, se partiu para uma formalização totalmente abstracta destes conceitos, que hoje têm vida própria.
Do meu ponto de vista, o mesmo se passa no ensino da Matemática. Para iniciar os alunos em conceitos como os números inteiros, de fracção, de múltiplo, mínimo múltiplo comum, número real, número complexo, potência, logaritmo, derivada... há que começar pelo mundo concreto, que foi onde inicialmente surgiram. Houve uma razão histórica, uma necessidade, que levou alguém, ou várias pessoas em simultâneo, a descobrir essas noções e a obter resultados a partir delas.
Depois do "ahhh!" da motivação, segue-se o treino, os automatismos, de modo que, ao prazer da descoberta, se siga a vantagem da mestria na utilização. Posteriormente, sem que termine a fase do treino, há a fase da formalização abstracta, com a ausência de protecção do suporte concreto, de maneira a que os alunos se sintam confortáveis em trabalhar com noções sem um contexto específico.
Esta relação entre a descoberta científica e a descoberta que resulta da aprendizagem é essencial. Um professor deve estar sempre consciente das dificuldades que se colocam a quem se propõe aprender algo novo. Todos nós fomos alunos e passamos por essa experiência, mas é algo que se esquece, se não for vivido permanentemente. Assumimos facilmente o novo papel arrogante de detentores da verdade e do conhecimento, esquecendo o quão difícil é, por vezes, assimilar novas ideias e noções, principalmente quando nunca se foi confrontado com a necessidade da sua existência.
É por isso que penso que haveria toda a vantagem se os professores do ensino básico e secundário estivessem mais envolvidos na investigação sobre as suas áreas curriculares. Pelas razões que apontei e também porque isso obrigaria a uma actualização científica permanente.
Sociedade Civil
Há 1 dia
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